Dois dias depois, encontrei um homem alto e de aparência distinta, vestido num terno preto elegante, perto da jaula de Ren. Seu cabelo branco e grosso era curto, e a barba e o bigode eram bem aparados. Seus olhos eram castanho escuros, quase negros, e ele tinha um nariz comprido e aquilino e a pele azeitonada. O homem estava sozinho, falava em tom suave e definitivamente destoava daquele galpão.
— Oi! Posso ajudá-lo? — perguntei.
O homem se virou e sorriu para mim.
— Olá! Você deve ser a Srta. Kelsey. Meu nome é Anik Kadam. É um prazer conhecê-la.
Ele juntou as mãos diante do corpo e se curvou. E eu que pensei que o cavalheirismo tivesse morrido.
— Sim, eu sou a Kelsey. Posso fazer algo pelo senhor?
— Talvez haja algo que você possa fazer por mim. — Ele sorriu com simpatia e explicou: — Gostaria de falar com o dono do circo sobre este magnífico animal.
— Ah, claro. O Sr. Maurizio está nos fundos do prédio principal, no trailer preto. Quer que eu o leve até lá?
— Não precisa se incomodar, minha querida. Mas muito obrigado pela oferta. Irei até lá agora mesmo.
Virando-se, o Sr. Kadam deixou o galpão, fechando a porta ao sair.
Depois de dar uma olhada em Ren para ter certeza de que ele estava bem, eu falei:
— Que coisa estranha. O que será que ele queria?
Talvez tenha um interesse especial em tigres. Hesitei por um momento e então enfiei a mão pelas grades da jaula.
Perplexa com minha própria coragem, fiz um carinho rápido na pata de Ren e comecei a preparar seu café da manhã.
— Não é todo dia que uma pessoa vê um tigre tão bonito quanto você — brinquei. — Ele provavelmente só quer parabenizá-lo pelo espetáculo.
Ren grunhiu em resposta.
Resolvi comer alguma coisa e segui para o prédio principal. Lá, deparei com um frenesi incomum. As pessoas se reuniam e fofocavam em grupos pequenos e dispersos. Peguei um muffin de chocolate e uma garrafinha de leite frio e interpelei Matt.
— O que está acontecendo? — perguntei depois de dar uma grande mordida no muffin.
— Não sei. Meu pai, o Sr. Maurizio e outro homem estão numa reunião séria, e recebemos ordens de suspender nossas atividades diárias. Fomos instruídos a esperar aqui. Ninguém faz ideia do que está acontecendo.
— Humm.
Sentei-me, comendo e ouvindo as loucas teorias e especulações da trupe.
Não tivemos que esperar muito. Alguns minutos depois, o Sr. Maurizio, o Sr. Davis e o Sr. Kadam, o estranho que eu conhecera mais cedo, entraram no prédio.
— Sedetevi, meus amigos. Sentem-se. Sentem-se! — disse o Sr. Maurizio com um sorriso radiante. — Este cavalheiro, o Sr. Kadam, fez de mim o mais feliz dos homens. Ele acabou de fazer uma oferta pelo nosso amado tigre Dhiren.
Houve um arquejo audível no salão enquanto várias pessoas se remexiam em suas cadeiras e murmuravam baixinho entre si.
O Sr. Maurizio prosseguiu:
— Bem, bem... silenzio. Shh, amici miei. Deixem-me terminar! Ele quer levar nosso tigre de volta para a Índia, para o Parque Nacional Ranthambore, a grande reserva de tigres. O denaro do Sr. Kadam vai nos manter por dois anos! O Sr. Davis está daccordo comigo e acredita que o tigre certamente será mais feliz naquele lugar.
Olhei para o Sr. Davis, que assentiu, solene.
— Combinamos que faremos os espetáculos desta semana e então o tigre irá com o Sr. Kadam com l’aereo, de avião, para a Índia, ao passo que nós seguiremos para a próxima cidade. Dhiren ficará conosco esta última semana até o grandioso finale no sábado! — concluiu o apresentador do circo, com um tapinha nas costas do Sr. Kadam.
Os dois então se viraram e deixaram o prédio.
Imediatamente, as pessoas começaram a circular e conversar. Eu as observava irem de um grupo a outro, como um bando de galinhas na hora da comida, andando e ciscando migalhas de informações e boatos. Falavam num tom animado e davam tapinhas nas costas uns dos outros, murmurando cumprimentos animados pelo fato de os próximos dois anos na estrada já estarem garantidos.
Todos estavam felizes, menos eu. Fiquei lá sentada, segurando o resto do meu muffin. Ainda estava boquiaberta e me sentia grudada na cadeira. Depois de me recompor, chamei Matt.
— Como isso afeta o seu pai?
Ele deu de ombros.
— Papai ainda tem os cães e sempre teve interesse em trabalhar com cavalos miniaturas. Agora que o circo tem mais dinheiro, talvez ele consiga fazer com que o Sr. Maurizio compre uns dois para que ele possa começar a adestrá-los.
Ele se afastou enquanto eu pensava na pergunta: como isso me afeta? Eu me sentia... angustiada. Sabia que, de qualquer modo, o trabalho no circo terminaria logo, mas afastara isso da mente. Eu sentiria muita saudade de Ren. Não me dera conta disso até aquele momento. Ainda assim, estava feliz por ele. Suspirei e me recriminei por me envolver tanto emocionalmente.
Apesar de estar feliz pelo meu tigre, também estava triste, sabendo que sentiria falta de visita-lo e de conversar com ele. Pelo resto do dia, me mantive ocupada para não pensar no assunto. Matt e eu trabalhamos a tarde toda e só tive tempo de ver Ren novamente depois do jantar.
Fui direto para minha tenda, peguei a colcha, o diário e um livro, e corri para o galpão. No meu cantinho favorito, sentei-me com as pernas esticadas.
— Oi, Ren. Que boa notícia para você, hein? Vai voltar para a Índia! Espero de verdade que você seja feliz lá. Talvez encontre uma linda namorada tigresa.
Ouvi uma espécie de resmungo vinda da jaula e pensei por um instante.
— Espero que ainda saiba caçar e tudo mais. Bem, acho que o pessoal da reserva vai ficar de olho para que você não deixe de se alimentar.
Ouvi um ruído no galpão e me virei. O Sr. Kadam acabara de entrar. Sentei-me um pouco mais ereta e me senti constrangida por ser flagrada conversando com um tigre.
— Lamento interrompê-la — disse o Sr. Kadam. Seus olhos correram do tigre para mim, ele me estudou com cuidado e então afirmou: — Você parece ter... carinho por este tigre. Estou certo?
Respondi, sem reservas:
— Está. Gosto da companhia dele. Então o senhor percorre circos resgatando tigres? Deve ser um emprego interessante.
Sorrindo, ele explicou:
— Ah, esse não é o meu trabalho principal. Minha verdadeira ocupação é administrar um grande patrimônio. O tigre é um item que desperta o interesse do meu empregador e foi ele quem fez a oferta ao Sr. Maurizio.
Ele encontrou um banquinho e se sentou, equilibrando o corpo alto no banco baixo com uma naturalidade que eu não teria esperado de um homem daquela idade.
— O senhor é da Índia?
— Sou, sim — respondeu ele. — Nasci e fui criado lá. Os principais bens do patrimônio que eu administro também estão lá.
Peguei um canudo e o enrolei em torno do dedo.
— Por que esse proprietário está tão interessado em Ren?
Seus olhos cintilaram quando lançou um olhar rápido ao tigre e depois perguntou:
— Você conhece a história do grande príncipe Dhiren?
Sacudi a cabeça.
— Não.
— O nome do seu tigre, Dhiren, na minha língua significa “forte”. — Ele inclinou a cabeça e me olhou, pensativo. — Um príncipe muito famoso tinha o mesmo nome e sua história é bastante interessante.
Sorri.
— O senhor está fugindo da minha pergunta. Mas eu adoro uma boa história. O senhor se lembra dela?
Seus olhos se fixaram em um ponto a distância e ele sorriu.
— Acho que sim.
Sua voz mudou. Perdendo a cadência enérgica, as palavras do Sr. Kadam assumiram um tom suave e musical:
— Há muito tempo havia na Índia um poderoso rei que tinha dois filhos, um dos quais se chamava Dhiren. Os dois irmãos tiveram a melhor educação e o melhor treinamento militar. A mãe deles lhes ensinou a amar a terra e as pessoas que nela viviam. Com frequência, ela levava os meninos para brincar com crianças carentes porque queria que eles soubessem do que o seu povo precisava. Com esse contato também aprenderam a ter humildade e a serem gratos pelos privilégios que possuíam. Seu pai, o rei, ensinou-lhes a governar o reino. Dhiren cresceu e se tornou um bravo e destemido líder militar, assim como um administrador sensato.
Eu mal piscava, de tão interessada naquele relato. Ele continuou:
— O irmão também era muito corajoso, forte e inteligente. Ele amava Dhiren, mas às vezes sentia no coração uma pontada de ciúme, pois, apesar de bem-sucedido em todo o seu treinamento, ele sabia que Dhiren estava destinado a ser o próximo rei. Era natural que se sentisse assim. Dhiren tinha uma notável aptidão para impressionar facilmente as pessoas com sua perspicácia, sua inteligência e sua personalidade. Uma rara combinação de charme e modéstia fazia dele um político eminente. Uma pessoa de contradições, era um grande guerreiro assim como um renomado poeta. Todo o povo amava a família real e tinha a expectativa de muitos anos felizes e de paz sob o reinado de Dhiren.
Fascinada pela história, perguntei:
— O que aconteceu com os irmãos? Eles lutaram entre si pelo trono?
Remexendo-se ligeiramente no banquinho, ele prosseguiu:
— O rei Rajaram, pai de Dhiren, arranjou o casamento entre Dhiren e a filha do governante de um reino vizinho. Os dois reinos tinham vivido em paz por muitos séculos, mas nos últimos anos pequenos conflitos vinham irrompendo nas fronteiras com frequência cada vez maior. Dhiren ficou satisfeito com a aliança não só porque a garota, cujo nome era Yesubai, era muito bonita, mas também porque era sábio o bastante para saber que a união traria paz à sua terra. Eles estavam formalmente noivos quando Dhiren se ausentou para inspecionar tropas em outra parte do reino. Durante sua ausência, seu irmão começou a passar muito tempo na companhia de Yesubai e logo os dois se apaixonaram.
O tigre resfolegou ruidosamente e bateu a cauda no piso de madeira do vagão algumas vezes.
Olhei-o, preocupada, mas ele parecia bem.
— Shh, Ren — eu o repreendi. — Deixe que ele termine de contar a história.
O tigre pousou a cabeça nas patas e ficou nos observando.
O Sr. Kadam retomou a narrativa:
— Ele traiu Dhiren para ter a mulher que amava. Fez um pacto com um homem poderoso e perverso que capturou Dhiren quando ele voltava para casa. Como prisioneiro político, Dhiren foi amarrado a um camelo e arrastado pela cidade do inimigo, onde as pessoas atiravam nele pedras, paus, lixo e cocô de camelo. Ele foi torturado, teve os olhos arrancados, o cabelo raspado e, por fim, seu corpo foi esquartejado e os pedaços foram atirados num rio.
Arquejei.
— Que horror!
Impressionada com a história, eu estava explodindo de tantas perguntas, mas me contive, esperando que ele terminasse. O Sr. Kadam fixou o olhar em meu rosto e prosseguiu, sério:
— Quando seu povo soube o que tinha acontecido, uma grande tristeza se espalhou pelo reino. Alguns dizem que o povo de Dhiren foi até o rio e resgatou pedaços do seu corpo para lhe dar um funeral adequado. Outros dizem que seu corpo nunca foi encontrado.
— Nossa!
— Ao saberem da morte do filho adorado, o rei e a mulher, arrasados pelo sofrimento, entraram em profundo desespero. Não demorou muito para que ambos partissem desta vida. O irmão de Dhiren fugiu, arruinado pela vergonha. Yesubai se matou. O Império Mujulaain foi lançado nas sombras escuras da desordem e do abandono. Com a voz de autoridade da família real silenciada, os militares tomaram o poder. Por fim, o homem perverso que havia matado Dhiren usurpou o trono, mas somente depois de 50 anos de uma guerra terrível.
Quando ele terminou a história, fez-se um profundo silêncio. A cauda de Ren bateu na jaula, o que me arrancou de meus devaneios.
— Uau! — exclamei. — E ele a amava?
— De quem você está falando?
— Dhiren amava Yesubai?
— Eu... não sei. Muitos casamentos eram arranjados naquele tempo e o amor muitas vezes não entrava em questão.
— Uma sequência de acontecimentos muito triste — comentei. — Uma grande história, embora um tanto sangrenta. Uma tragédia indiana. Me lembra Shakespeare. Ele teria escrito uma excelente peça baseada nessa história. Então, o Ren recebeu esse nome em homenagem ao príncipe indiano?
O Sr. Kadam ergueu a sobrancelha e sorriu.
— Parece que sim.
Olhei para o tigre e sorri.
— Está vendo, Ren, você é um herói! É um dos mocinhos! — Ren levantou as orelhas e piscou, me observando. — Obrigada por partilhar essa história comigo. Com certeza vou escrever sobre ela no meu diário. Mas nada disso explica o interesse do seu empregador pelos tigres.
Ele pigarreou enquanto me lançava um olhar oblíquo, ganhando tempo. Para alguém tão eloquente, ele se atrapalhou com as palavras seguintes.
— Meu empregador tem uma ligação especial com este tigre branco — disse ele. — Sabe, ele acha que é o culpado pelo aprisionamento do tigre... Não, essa é uma palavra muito dura... pela captura do tigre. Meu empregador se deixou atrair para uma situação que levou à apreensão e à venda do animal. Ele vem seguindo o paradeiro do tigre pelos últimos anos e agora finalmente pode consertar as coisas.
— Muito interessante. Ren foi capturado por culpa dele? É muita generosidade ele continuar preocupado dessa forma com o bem-estar de um animal. Por favor, agradeça a esse homem pelo que está fazendo por Ren.
Ele curvou a cabeça em minha direção e então, hesitante, fixou um olhar sombrio em mim e propôs:
— Srta. Kelsey, espero que eu não esteja me antecipando muito, mas preciso de alguém para acompanhar o tigre em sua viagem para a Índia. Não poderei atender a suas necessidades diárias nem seguir com ele por todo o trajeto. Já perguntei ao Sr. Davis se ele poderia acompanhar Dhiren, mas ele precisa ficar aqui com o circo. — Ele se inclinou para a frente no banco, gesticulando com as mãos. — Gostaria de oferecer a você essa tarefa. Estaria interessada?
Fiquei olhando para suas mãos por um momento, pensando que um homem como ele deveria ter dedos longos, macios e unhas feitas, mas seus dedos eram grossos, com calos, como os de alguém acostumado ao trabalho duro.
— O tigre já está acostumado à senhorita e posso lhe pagar um bom valor. O Sr. Davis sugeriu seu nome para a tarefa e mencionou que seu emprego temporário aqui está quase chegando ao fim. Se aceitar o trabalho, posso lhe assegurar que meu empregador ficará muito grato por ter alguém capaz de cuidar do tigre melhor do que eu. A viagem inteira deve levar cerca de uma semana, mas fui instruído a pagar por todo o seu verão. Entendo que isso a afastaria de sua casa e retardaria sua procura por outro trabalho, por essa razão será devidamente recompensada.
— O que eu teria que fazer? Vou precisar de um passaporte e de outros documentos? — perguntei.
Ele inclinou a cabeça na minha direção.
— Posso cuidar de todos os preparativos para a viagem. Nós três pegaríamos um voo até Mumbai, que você talvez ainda conheça como Bombaim. Lá, precisarei ficar na cidade, para tratar de negócios, e você continuaria a acompanhar o tigre no trajeto por terra até a reserva. Vou contratar motoristas e carregadores para ajudá-la na jornada. Sua responsabilidade principal será cuidar de Ren, alimentando-o e dando conforto a ele.
— E depois...?
— A jornada por terra leva de 10 a 12 horas. Ao chegarem à reserva, você ainda fica por lá alguns dias para se assegurar de que ele está se adaptando bem ao seu novo ambiente e à relativa liberdade. De lá você pega um ônibus até o aeroporto de Jaipur, voa até Mumbai e embarca de volta para casa, tornando sua viagem de volta um pouquinho mais curta.
— Então levaria cerca de uma semana ao todo? — perguntei.
— Você pode escolher voltar para casa imediatamente ou, se preferir, pode tirar alguns dias de férias na Índia e fazer um pouco de turismo antes de voltar. Eu cuidaria de todas as despesas da viagem, assim como de quaisquer outras necessidades suas nesse período.
Pisquei e falei, gaguejando:
— É uma oferta muito generosa. Meu trabalho aqui no circo está mesmo chegando ao fim e eu teria que começar a procurar um novo emprego.
Mordi o lábio e comecei a andar de um lado para outro, murmurando, hesitante, tanto para ele quanto para mim mesma.
— A Índia é muito longe. Nunca saí do país. A ideia é ao mesmo tempo empolgante e assustadora. Posso pensar e decidir depois? Quando o senhor precisa da resposta?
— Quanto mais cedo você confirmar, mais cedo poderei tomar as providências necessárias.
— Está certo. Vou ligar para meus pais adotivos e conversar com o Sr. Davis, para ver o que eles pensam disso, e então lhe darei a resposta.
O Sr. Kadam assentiu e mencionou que o Sr. Maurizio sabia como encontrá-lo quando eu estivesse pronta para informar minha decisão. Também disse que estaria no circo o restante do dia, finalizando a papelada.
Com a cabeça a mil, peguei minhas coisas e voltei para o edifício principal. Índia? Nunca estive no exterior. E se eu não conseguir me comunicar com ninguém? E se acontecer algo ruim com Ren enquanto ele estiver sob a minha responsabilidade?
Apesar de todas as dúvidas, uma parte de mim estava considerando seriamente a oferta do Sr. Kadam. Era muito tentador passar um pouco mais de tempo com Ren e, além disso, eu sempre quis conhecer outro país. Poderia desfrutar de miniférias de verão e ainda ser paga por isso. E o Sr. Kadam não me parecia um daqueles homens assustadores, com más intenções. Na verdade, ele parecia ser de total confiança, quase como um avô.
Encontrei o Sr. Davis ensinando um novo truque aos cães. Ele confirmou que o Sr. Kadam lhe oferecera o mesmo trabalho e que ele ficara tentado a aceitar.
— Acho que seria uma ótima experiência. Você é excelente com animais, especialmente com Ren. Se tem algo a ver com a carreira que pretende seguir, então deveria considerar a oferta. O trabalho causaria boa impressão no currículo.
Agradeci a ele e decidi ligar para Sarah e Mike, que quiseram conhecer o Sr. Kadam, verificar suas credenciais e descobrir que tipos de medida de segurança ele planejava tomar. Eles sugeriram improvisar uma festa de aniversário para mim no circo de modo que pudessem comemorar comigo e ao mesmo tempo conhecer o Sr. Kadam.
Depois de pensar por um tempo nos prós e contras, senti o entusiasmo com a viagem desfazer meu nervosismo. Eu adoraria ir à Índia e ver Ren se adaptar à reserva de tigres. Seria uma oportunidade única.
Voltei à jaula do tigre e encontrei o Sr. Kadam lá. Ele estava sozinho e parecia estar falando baixinho novamente com o tigre.
Acho que ele gosta de falar com tigres tanto quanto eu.
Ainda na porta, fiz uma pausa.
— Sr. Kadam? Meus pais adotivos gostariam de conhecê-lo e querem que eu o convide para comemorar meu aniversário esta noite. Eles vão trazer bolo e sorvete depois do espetáculo. O senhor pode vir?
O rosto dele se iluminou com um sorriso radiante, maravilhado.
— Que maravilha! Vou adorar ir à sua festa!
— Não fique muito animado. Provavelmente vão trazer sorvete de soja e bolo sem glúten e sem açúcar.
Depois de falar com ele, liguei para minha família para combinar tudo.
Sarah, Mike e as crianças chegaram cedo para assistir ao espetáculo e ficaram totalmente impressionados com o desempenho de Ren. Eles adoraram conhecer a trupe toda. O Sr. Kadam foi educado e gentil e disse a eles que seria impossível realizar sua tarefa sem a minha ajuda.
— Fiquem tranquilos porque estaremos sempre em contato e Kelsey poderá ligar para vocês a qualquer hora — disse ele.
Mais tarde o Sr. Davis deu a sua contribuição:
— Kelsey é mais do que capaz de cumprir a tarefa. É basicamente a mesma coisa que ela vem fazendo no circo nas últimas duas semanas. Além do mais, será uma ótima experiência. Eu mesmo gostaria de ir.
Passamos uma ótima noite e foi divertido ter uma festa no circo. Sarah até trouxe cupcakes normais e minha marca favorita de sorvete. Podia não ser um aniversário de 18 anos típico, mas eu me sentia feliz de estar com minha família adotiva, meus novos amigos e meu pote de sorvete de chocolate.
Após a festa, Sarah e Mike me puxaram de lado e me lembraram de manter contato frequente durante a estadia na Índia. Eles podiam ver em meu rosto que eu estava determinada a ir e imediatamente sentiram confiança no Sr. Kadam. Eu os abracei, entusiasmada, e fui contar as boas-novas a ele.
O Sr. Kadam abriu um sorriso feliz e disse:
— Bem, Srta. Kelsey, vou precisar de mais ou menos uma semana para providenciar o transporte. Também vou pegar uma cópia da sua certidão de nascimento e providenciar documentos de viagem tanto para o tigre quanto para você. Meu plano é partir amanhã de manhã e voltar assim que tiver os documentos necessários.
Mais tarde, quando se preparava para ir embora, o Sr. Kadam aproximou-se para apertar minha mão e a segurou por um minuto, dizendo:
— Muito obrigado por sua ajuda. Você me tranquilizou e deu esperança a um velho desiludido e pessimista.
Passada a agitação do dia, fui visitar Ren.
— Aqui. Roubei um cupcake. Provavelmente não faz parte da sua dieta de tigre, mas você também merece comemorar, não é?
Ele pegou delicadamente o cupcake da minha mão estendida, engoliu-o de uma só vez e então começou a lamber o glacê dos meus dedos. Eu ri e fui lavar a mão.
— Do que será que o Sr. Kadam estava falando? Tranquilizá-lo? Ele é um pouco dramático, você não acha?
Bocejei e cocei atrás de sua orelha, sorrindo quando ele apoiou a cabeça na palma de minha mão.
— Bom, estou com sono. Vou para a cama. Vamos fazer uma viagem divertida juntos, hein?
Reprimindo outro bocejo, verifiquei se ele tinha água suficiente, então apaguei as luzes, fechei a porta e fui me deitar.
Na manhã seguinte, acordei cedo para ir ver o tigre. Entrei no galpão e me dirigi à jaula, mas encontrei a porta aberta. Ele não estava lá!
— Ren? Onde você está?
Ouvi um ruído atrás de mim, me virei e deparei com ele deitado em uma pilha de feno fora da jaula.
— Ren! Como você conseguiu sair? O Sr. Davis vai me matar! Tenho certeza de que tranquei a porta da jaula ontem à noite!
O tigre se levantou e se sacudiu, tirando a maior parte do feno de seu pelo, e caminhou preguiçosamente até mim. Foi só então que me dei conta de que estava sozinha em um galpão com um tigre solto. Fiquei em pânico, mas era tarde demais para voltar e sair do galpão. O Sr. Davis me ensinara a nunca desviar os olhos de grandes felinos, assim ergui o queixo, pus as mãos nos quadris e ordenei que ele voltasse para a jaula. O estranho foi que ele pareceu compreender o que eu queria dele. Ren passou por mim, esfregando a lateral do corpo em minha perna, e... obedeceu! Seguiu lentamente para a rampa, agitando a cauda de um lado para outro enquanto me olhava, subiu e passou pela porta em dois grandes saltos.
Corri para fechar a porta e, com ela finalmente trancada, deixei escapar um grande suspiro.
Depois de providenciar sua água e sua comida do dia, saí à procura do Sr. Davis para contar o que acontecera.
O Sr. Davis recebeu bem a notícia, considerando que um tigre ficara solto. Ficou surpreso por eu ter me preocupado mais com a segurança de Ren do que com a minha. Ele me assegurou de que eu agira certo e ficou impressionado com a calma com que eu tinha enfrentado a situação. Eu lhe disse que tomaria mais cuidado e que me certificaria de que a jaula ficasse sempre adequadamente trancada. Mas eu tinha certeza de que não a deixara destrancada.
A semana seguinte passou voando. O Sr. Kadam só reapareceu na noite da última apresentação de Ren. Ele se aproximou e perguntou se podia falar comigo depois do jantar.
— Claro. Posso me sentar com o senhor para a sobremesa — repliquei.
A atmosfera era de festa. Quando vi o Sr. Kadam entrar no prédio, peguei papel, lápis e dois potinhos de sorvete e me sentei de frente para ele.
Ele começou espalhando vários formulários e documentos para que eu assinasse.
— Vamos levar o tigre de caminhão daqui até o aeroporto de Portland. De lá, embarcaremos num avião de carga, que nos levará até Nova York, cruzará o oceano Atlântico e continuará até Mumbai. Quando chegarmos lá, deixarei Ren em suas mãos competentes por alguns dias enquanto resolvo negócios na cidade.
— Tudo bem.
— Um caminhão estará nos aguardando no aeroporto de Mumbai. Você e eu supervisionaremos os homens que transportarão Ren do avião até o caminhão. Um motorista levará vocês dois até a reserva. Providências também foram tomadas para que você fique lá por alguns dias. Então, você poderá se preparar para a volta quando achar melhor. Eu fornecerei todo o dinheiro necessário para a viagem, mais do que o suficiente para qualquer emergência.
Fui anotando freneticamente, tentando registrar todas as suas instruções.
— O Sr. Davis vai ajudar a preparar Ren e também vai colocá-lo no caminhão amanhã de manhã. Sugiro que você prepare uma mala com todos os pertences pessoais que queira levar. Vou dormir aqui esta noite, portanto você pode usar meu carro alugado e ir até sua casa pegar suas coisas, desde que esteja de volta amanhã bem cedo. Alguma pergunta?
— Bem, tenho mais ou menos um bilhão delas, mas a maior parte pode esperar até amanhã. Acho que é melhor eu ir para casa fazer a mala.
Ele sorriu afetuosamente e pôs as chaves do carro na minha mão.
— Obrigado mais uma vez, Srta. Kelsey. Estou ansioso por nossa viagem. Até amanhã.
Sorri de volta e me despedi.
Voltei à tenda para pegar minhas coisas e falei brevemente com Matt, Cathleen, o Sr. Davis e o Sr. Maurizio. Eu havia passado pouco tempo no circo, mas me afeiçoara a todos.
Depois de lhes desejar boa sorte e me despedir, passei na jaula de Ren para dizer boa-noite. Ele já estava dormindo, então o deixei e segui para o estacionamento.
Só havia um carro estacionado – um lindo conversível prata. Olhei para o chaveiro e li “Bentley GTC Conversível”.
Minha nossa! Só pode ser brincadeira. Este carro deve valer uma fortuna! O Sr. Kadam confia mesmo em mim.
Aproximei-me do carro timidamente e apertei na chave o botão de destravar as portas. Os faróis piscaram para mim. Abri a porta, me sentei na poltrona de couro macio e corri a mão sobre a costura elegante e bem-acabada. O painel parecia ultramoderno. Era o carro mais luxuoso que eu já vira.
Liguei o motor e dei um pulo quando ele rugiu, ganhando vida. Mesmo eu, que não tinha o menor conhecimento sobre veículos, podia ver que aquele carro era rápido. Suspirei de prazer quando percebi que ele também incluía assentos massageadores aquecidos. Cheguei em casa em poucos minutos, decepcionada por morar tão perto do circo.
Mike insistiu que um Bentley devia ser estacionado na garagem. Colocou, ansioso, seu velho sedã na rua, estacionando-o perto das latas de lixo. O pobre carro foi despachado como um gato velho enquanto o gatinho novo ganhava uma almofada macia na cama.
Mike acabou passando várias horas na garagem naquela noite, paparicando e acariciando o conversível. Eu, por outro lado, passei a noite tentando descobrir o que levar para a Índia. Pus umas peças de roupa na máquina de lavar, arrumei uma bolsa grande e passei algum tempo com minha família adotiva. As duas crianças, Rebecca e Sammy, queriam saber tudo sobre as minhas duas semanas no circo. Também falamos sobre as coisas incríveis que eu iria ver e fazer na Índia.
Eram boas pessoas, uma boa família, e se preocupavam comigo. Dizer adeus foi difícil, embora fosse apenas temporário. Legalmente, eu era adulta, mas ainda me sentia nervosa diante da perspectiva de ir sozinha para tão longe.
Abracei e beijei as crianças. Mike apertou minha mão todo formal e me deu um meio abraço por um longo minuto. Então me virei para Sarah, que me puxou para um abraço apertado. Ficamos as duas com lágrimas nos olhos, mas ela me assegurou de que estariam a apenas um telefonema de distância.
Naquela noite, mergulhei rapidamente em um sono profundo e sonhei com um belo príncipe indiano que tinha um tigre de estimação.
— Oi! Posso ajudá-lo? — perguntei.
O homem se virou e sorriu para mim.
— Olá! Você deve ser a Srta. Kelsey. Meu nome é Anik Kadam. É um prazer conhecê-la.
Ele juntou as mãos diante do corpo e se curvou. E eu que pensei que o cavalheirismo tivesse morrido.
— Sim, eu sou a Kelsey. Posso fazer algo pelo senhor?
— Talvez haja algo que você possa fazer por mim. — Ele sorriu com simpatia e explicou: — Gostaria de falar com o dono do circo sobre este magnífico animal.
— Ah, claro. O Sr. Maurizio está nos fundos do prédio principal, no trailer preto. Quer que eu o leve até lá?
— Não precisa se incomodar, minha querida. Mas muito obrigado pela oferta. Irei até lá agora mesmo.
Virando-se, o Sr. Kadam deixou o galpão, fechando a porta ao sair.
Depois de dar uma olhada em Ren para ter certeza de que ele estava bem, eu falei:
— Que coisa estranha. O que será que ele queria?
Talvez tenha um interesse especial em tigres. Hesitei por um momento e então enfiei a mão pelas grades da jaula.
Perplexa com minha própria coragem, fiz um carinho rápido na pata de Ren e comecei a preparar seu café da manhã.
— Não é todo dia que uma pessoa vê um tigre tão bonito quanto você — brinquei. — Ele provavelmente só quer parabenizá-lo pelo espetáculo.
Ren grunhiu em resposta.
Resolvi comer alguma coisa e segui para o prédio principal. Lá, deparei com um frenesi incomum. As pessoas se reuniam e fofocavam em grupos pequenos e dispersos. Peguei um muffin de chocolate e uma garrafinha de leite frio e interpelei Matt.
— O que está acontecendo? — perguntei depois de dar uma grande mordida no muffin.
— Não sei. Meu pai, o Sr. Maurizio e outro homem estão numa reunião séria, e recebemos ordens de suspender nossas atividades diárias. Fomos instruídos a esperar aqui. Ninguém faz ideia do que está acontecendo.
— Humm.
Sentei-me, comendo e ouvindo as loucas teorias e especulações da trupe.
Não tivemos que esperar muito. Alguns minutos depois, o Sr. Maurizio, o Sr. Davis e o Sr. Kadam, o estranho que eu conhecera mais cedo, entraram no prédio.
— Sedetevi, meus amigos. Sentem-se. Sentem-se! — disse o Sr. Maurizio com um sorriso radiante. — Este cavalheiro, o Sr. Kadam, fez de mim o mais feliz dos homens. Ele acabou de fazer uma oferta pelo nosso amado tigre Dhiren.
Houve um arquejo audível no salão enquanto várias pessoas se remexiam em suas cadeiras e murmuravam baixinho entre si.
O Sr. Maurizio prosseguiu:
— Bem, bem... silenzio. Shh, amici miei. Deixem-me terminar! Ele quer levar nosso tigre de volta para a Índia, para o Parque Nacional Ranthambore, a grande reserva de tigres. O denaro do Sr. Kadam vai nos manter por dois anos! O Sr. Davis está daccordo comigo e acredita que o tigre certamente será mais feliz naquele lugar.
Olhei para o Sr. Davis, que assentiu, solene.
— Combinamos que faremos os espetáculos desta semana e então o tigre irá com o Sr. Kadam com l’aereo, de avião, para a Índia, ao passo que nós seguiremos para a próxima cidade. Dhiren ficará conosco esta última semana até o grandioso finale no sábado! — concluiu o apresentador do circo, com um tapinha nas costas do Sr. Kadam.
Os dois então se viraram e deixaram o prédio.
Imediatamente, as pessoas começaram a circular e conversar. Eu as observava irem de um grupo a outro, como um bando de galinhas na hora da comida, andando e ciscando migalhas de informações e boatos. Falavam num tom animado e davam tapinhas nas costas uns dos outros, murmurando cumprimentos animados pelo fato de os próximos dois anos na estrada já estarem garantidos.
Todos estavam felizes, menos eu. Fiquei lá sentada, segurando o resto do meu muffin. Ainda estava boquiaberta e me sentia grudada na cadeira. Depois de me recompor, chamei Matt.
— Como isso afeta o seu pai?
Ele deu de ombros.
— Papai ainda tem os cães e sempre teve interesse em trabalhar com cavalos miniaturas. Agora que o circo tem mais dinheiro, talvez ele consiga fazer com que o Sr. Maurizio compre uns dois para que ele possa começar a adestrá-los.
Ele se afastou enquanto eu pensava na pergunta: como isso me afeta? Eu me sentia... angustiada. Sabia que, de qualquer modo, o trabalho no circo terminaria logo, mas afastara isso da mente. Eu sentiria muita saudade de Ren. Não me dera conta disso até aquele momento. Ainda assim, estava feliz por ele. Suspirei e me recriminei por me envolver tanto emocionalmente.
Apesar de estar feliz pelo meu tigre, também estava triste, sabendo que sentiria falta de visita-lo e de conversar com ele. Pelo resto do dia, me mantive ocupada para não pensar no assunto. Matt e eu trabalhamos a tarde toda e só tive tempo de ver Ren novamente depois do jantar.
Fui direto para minha tenda, peguei a colcha, o diário e um livro, e corri para o galpão. No meu cantinho favorito, sentei-me com as pernas esticadas.
— Oi, Ren. Que boa notícia para você, hein? Vai voltar para a Índia! Espero de verdade que você seja feliz lá. Talvez encontre uma linda namorada tigresa.
Ouvi uma espécie de resmungo vinda da jaula e pensei por um instante.
— Espero que ainda saiba caçar e tudo mais. Bem, acho que o pessoal da reserva vai ficar de olho para que você não deixe de se alimentar.
Ouvi um ruído no galpão e me virei. O Sr. Kadam acabara de entrar. Sentei-me um pouco mais ereta e me senti constrangida por ser flagrada conversando com um tigre.
— Lamento interrompê-la — disse o Sr. Kadam. Seus olhos correram do tigre para mim, ele me estudou com cuidado e então afirmou: — Você parece ter... carinho por este tigre. Estou certo?
Respondi, sem reservas:
— Está. Gosto da companhia dele. Então o senhor percorre circos resgatando tigres? Deve ser um emprego interessante.
Sorrindo, ele explicou:
— Ah, esse não é o meu trabalho principal. Minha verdadeira ocupação é administrar um grande patrimônio. O tigre é um item que desperta o interesse do meu empregador e foi ele quem fez a oferta ao Sr. Maurizio.
Ele encontrou um banquinho e se sentou, equilibrando o corpo alto no banco baixo com uma naturalidade que eu não teria esperado de um homem daquela idade.
— O senhor é da Índia?
— Sou, sim — respondeu ele. — Nasci e fui criado lá. Os principais bens do patrimônio que eu administro também estão lá.
Peguei um canudo e o enrolei em torno do dedo.
— Por que esse proprietário está tão interessado em Ren?
Seus olhos cintilaram quando lançou um olhar rápido ao tigre e depois perguntou:
— Você conhece a história do grande príncipe Dhiren?
Sacudi a cabeça.
— Não.
— O nome do seu tigre, Dhiren, na minha língua significa “forte”. — Ele inclinou a cabeça e me olhou, pensativo. — Um príncipe muito famoso tinha o mesmo nome e sua história é bastante interessante.
Sorri.
— O senhor está fugindo da minha pergunta. Mas eu adoro uma boa história. O senhor se lembra dela?
Seus olhos se fixaram em um ponto a distância e ele sorriu.
— Acho que sim.
Sua voz mudou. Perdendo a cadência enérgica, as palavras do Sr. Kadam assumiram um tom suave e musical:
— Há muito tempo havia na Índia um poderoso rei que tinha dois filhos, um dos quais se chamava Dhiren. Os dois irmãos tiveram a melhor educação e o melhor treinamento militar. A mãe deles lhes ensinou a amar a terra e as pessoas que nela viviam. Com frequência, ela levava os meninos para brincar com crianças carentes porque queria que eles soubessem do que o seu povo precisava. Com esse contato também aprenderam a ter humildade e a serem gratos pelos privilégios que possuíam. Seu pai, o rei, ensinou-lhes a governar o reino. Dhiren cresceu e se tornou um bravo e destemido líder militar, assim como um administrador sensato.
Eu mal piscava, de tão interessada naquele relato. Ele continuou:
— O irmão também era muito corajoso, forte e inteligente. Ele amava Dhiren, mas às vezes sentia no coração uma pontada de ciúme, pois, apesar de bem-sucedido em todo o seu treinamento, ele sabia que Dhiren estava destinado a ser o próximo rei. Era natural que se sentisse assim. Dhiren tinha uma notável aptidão para impressionar facilmente as pessoas com sua perspicácia, sua inteligência e sua personalidade. Uma rara combinação de charme e modéstia fazia dele um político eminente. Uma pessoa de contradições, era um grande guerreiro assim como um renomado poeta. Todo o povo amava a família real e tinha a expectativa de muitos anos felizes e de paz sob o reinado de Dhiren.
Fascinada pela história, perguntei:
— O que aconteceu com os irmãos? Eles lutaram entre si pelo trono?
Remexendo-se ligeiramente no banquinho, ele prosseguiu:
— O rei Rajaram, pai de Dhiren, arranjou o casamento entre Dhiren e a filha do governante de um reino vizinho. Os dois reinos tinham vivido em paz por muitos séculos, mas nos últimos anos pequenos conflitos vinham irrompendo nas fronteiras com frequência cada vez maior. Dhiren ficou satisfeito com a aliança não só porque a garota, cujo nome era Yesubai, era muito bonita, mas também porque era sábio o bastante para saber que a união traria paz à sua terra. Eles estavam formalmente noivos quando Dhiren se ausentou para inspecionar tropas em outra parte do reino. Durante sua ausência, seu irmão começou a passar muito tempo na companhia de Yesubai e logo os dois se apaixonaram.
O tigre resfolegou ruidosamente e bateu a cauda no piso de madeira do vagão algumas vezes.
Olhei-o, preocupada, mas ele parecia bem.
— Shh, Ren — eu o repreendi. — Deixe que ele termine de contar a história.
O tigre pousou a cabeça nas patas e ficou nos observando.
O Sr. Kadam retomou a narrativa:
— Ele traiu Dhiren para ter a mulher que amava. Fez um pacto com um homem poderoso e perverso que capturou Dhiren quando ele voltava para casa. Como prisioneiro político, Dhiren foi amarrado a um camelo e arrastado pela cidade do inimigo, onde as pessoas atiravam nele pedras, paus, lixo e cocô de camelo. Ele foi torturado, teve os olhos arrancados, o cabelo raspado e, por fim, seu corpo foi esquartejado e os pedaços foram atirados num rio.
Arquejei.
— Que horror!
Impressionada com a história, eu estava explodindo de tantas perguntas, mas me contive, esperando que ele terminasse. O Sr. Kadam fixou o olhar em meu rosto e prosseguiu, sério:
— Quando seu povo soube o que tinha acontecido, uma grande tristeza se espalhou pelo reino. Alguns dizem que o povo de Dhiren foi até o rio e resgatou pedaços do seu corpo para lhe dar um funeral adequado. Outros dizem que seu corpo nunca foi encontrado.
— Nossa!
— Ao saberem da morte do filho adorado, o rei e a mulher, arrasados pelo sofrimento, entraram em profundo desespero. Não demorou muito para que ambos partissem desta vida. O irmão de Dhiren fugiu, arruinado pela vergonha. Yesubai se matou. O Império Mujulaain foi lançado nas sombras escuras da desordem e do abandono. Com a voz de autoridade da família real silenciada, os militares tomaram o poder. Por fim, o homem perverso que havia matado Dhiren usurpou o trono, mas somente depois de 50 anos de uma guerra terrível.
Quando ele terminou a história, fez-se um profundo silêncio. A cauda de Ren bateu na jaula, o que me arrancou de meus devaneios.
— Uau! — exclamei. — E ele a amava?
— De quem você está falando?
— Dhiren amava Yesubai?
— Eu... não sei. Muitos casamentos eram arranjados naquele tempo e o amor muitas vezes não entrava em questão.
— Uma sequência de acontecimentos muito triste — comentei. — Uma grande história, embora um tanto sangrenta. Uma tragédia indiana. Me lembra Shakespeare. Ele teria escrito uma excelente peça baseada nessa história. Então, o Ren recebeu esse nome em homenagem ao príncipe indiano?
O Sr. Kadam ergueu a sobrancelha e sorriu.
— Parece que sim.
Olhei para o tigre e sorri.
— Está vendo, Ren, você é um herói! É um dos mocinhos! — Ren levantou as orelhas e piscou, me observando. — Obrigada por partilhar essa história comigo. Com certeza vou escrever sobre ela no meu diário. Mas nada disso explica o interesse do seu empregador pelos tigres.
Ele pigarreou enquanto me lançava um olhar oblíquo, ganhando tempo. Para alguém tão eloquente, ele se atrapalhou com as palavras seguintes.
— Meu empregador tem uma ligação especial com este tigre branco — disse ele. — Sabe, ele acha que é o culpado pelo aprisionamento do tigre... Não, essa é uma palavra muito dura... pela captura do tigre. Meu empregador se deixou atrair para uma situação que levou à apreensão e à venda do animal. Ele vem seguindo o paradeiro do tigre pelos últimos anos e agora finalmente pode consertar as coisas.
— Muito interessante. Ren foi capturado por culpa dele? É muita generosidade ele continuar preocupado dessa forma com o bem-estar de um animal. Por favor, agradeça a esse homem pelo que está fazendo por Ren.
Ele curvou a cabeça em minha direção e então, hesitante, fixou um olhar sombrio em mim e propôs:
— Srta. Kelsey, espero que eu não esteja me antecipando muito, mas preciso de alguém para acompanhar o tigre em sua viagem para a Índia. Não poderei atender a suas necessidades diárias nem seguir com ele por todo o trajeto. Já perguntei ao Sr. Davis se ele poderia acompanhar Dhiren, mas ele precisa ficar aqui com o circo. — Ele se inclinou para a frente no banco, gesticulando com as mãos. — Gostaria de oferecer a você essa tarefa. Estaria interessada?
Fiquei olhando para suas mãos por um momento, pensando que um homem como ele deveria ter dedos longos, macios e unhas feitas, mas seus dedos eram grossos, com calos, como os de alguém acostumado ao trabalho duro.
— O tigre já está acostumado à senhorita e posso lhe pagar um bom valor. O Sr. Davis sugeriu seu nome para a tarefa e mencionou que seu emprego temporário aqui está quase chegando ao fim. Se aceitar o trabalho, posso lhe assegurar que meu empregador ficará muito grato por ter alguém capaz de cuidar do tigre melhor do que eu. A viagem inteira deve levar cerca de uma semana, mas fui instruído a pagar por todo o seu verão. Entendo que isso a afastaria de sua casa e retardaria sua procura por outro trabalho, por essa razão será devidamente recompensada.
— O que eu teria que fazer? Vou precisar de um passaporte e de outros documentos? — perguntei.
Ele inclinou a cabeça na minha direção.
— Posso cuidar de todos os preparativos para a viagem. Nós três pegaríamos um voo até Mumbai, que você talvez ainda conheça como Bombaim. Lá, precisarei ficar na cidade, para tratar de negócios, e você continuaria a acompanhar o tigre no trajeto por terra até a reserva. Vou contratar motoristas e carregadores para ajudá-la na jornada. Sua responsabilidade principal será cuidar de Ren, alimentando-o e dando conforto a ele.
— E depois...?
— A jornada por terra leva de 10 a 12 horas. Ao chegarem à reserva, você ainda fica por lá alguns dias para se assegurar de que ele está se adaptando bem ao seu novo ambiente e à relativa liberdade. De lá você pega um ônibus até o aeroporto de Jaipur, voa até Mumbai e embarca de volta para casa, tornando sua viagem de volta um pouquinho mais curta.
— Então levaria cerca de uma semana ao todo? — perguntei.
— Você pode escolher voltar para casa imediatamente ou, se preferir, pode tirar alguns dias de férias na Índia e fazer um pouco de turismo antes de voltar. Eu cuidaria de todas as despesas da viagem, assim como de quaisquer outras necessidades suas nesse período.
Pisquei e falei, gaguejando:
— É uma oferta muito generosa. Meu trabalho aqui no circo está mesmo chegando ao fim e eu teria que começar a procurar um novo emprego.
Mordi o lábio e comecei a andar de um lado para outro, murmurando, hesitante, tanto para ele quanto para mim mesma.
— A Índia é muito longe. Nunca saí do país. A ideia é ao mesmo tempo empolgante e assustadora. Posso pensar e decidir depois? Quando o senhor precisa da resposta?
— Quanto mais cedo você confirmar, mais cedo poderei tomar as providências necessárias.
— Está certo. Vou ligar para meus pais adotivos e conversar com o Sr. Davis, para ver o que eles pensam disso, e então lhe darei a resposta.
O Sr. Kadam assentiu e mencionou que o Sr. Maurizio sabia como encontrá-lo quando eu estivesse pronta para informar minha decisão. Também disse que estaria no circo o restante do dia, finalizando a papelada.
Com a cabeça a mil, peguei minhas coisas e voltei para o edifício principal. Índia? Nunca estive no exterior. E se eu não conseguir me comunicar com ninguém? E se acontecer algo ruim com Ren enquanto ele estiver sob a minha responsabilidade?
Apesar de todas as dúvidas, uma parte de mim estava considerando seriamente a oferta do Sr. Kadam. Era muito tentador passar um pouco mais de tempo com Ren e, além disso, eu sempre quis conhecer outro país. Poderia desfrutar de miniférias de verão e ainda ser paga por isso. E o Sr. Kadam não me parecia um daqueles homens assustadores, com más intenções. Na verdade, ele parecia ser de total confiança, quase como um avô.
Encontrei o Sr. Davis ensinando um novo truque aos cães. Ele confirmou que o Sr. Kadam lhe oferecera o mesmo trabalho e que ele ficara tentado a aceitar.
— Acho que seria uma ótima experiência. Você é excelente com animais, especialmente com Ren. Se tem algo a ver com a carreira que pretende seguir, então deveria considerar a oferta. O trabalho causaria boa impressão no currículo.
Agradeci a ele e decidi ligar para Sarah e Mike, que quiseram conhecer o Sr. Kadam, verificar suas credenciais e descobrir que tipos de medida de segurança ele planejava tomar. Eles sugeriram improvisar uma festa de aniversário para mim no circo de modo que pudessem comemorar comigo e ao mesmo tempo conhecer o Sr. Kadam.
Depois de pensar por um tempo nos prós e contras, senti o entusiasmo com a viagem desfazer meu nervosismo. Eu adoraria ir à Índia e ver Ren se adaptar à reserva de tigres. Seria uma oportunidade única.
Voltei à jaula do tigre e encontrei o Sr. Kadam lá. Ele estava sozinho e parecia estar falando baixinho novamente com o tigre.
Acho que ele gosta de falar com tigres tanto quanto eu.
Ainda na porta, fiz uma pausa.
— Sr. Kadam? Meus pais adotivos gostariam de conhecê-lo e querem que eu o convide para comemorar meu aniversário esta noite. Eles vão trazer bolo e sorvete depois do espetáculo. O senhor pode vir?
O rosto dele se iluminou com um sorriso radiante, maravilhado.
— Que maravilha! Vou adorar ir à sua festa!
— Não fique muito animado. Provavelmente vão trazer sorvete de soja e bolo sem glúten e sem açúcar.
Depois de falar com ele, liguei para minha família para combinar tudo.
Sarah, Mike e as crianças chegaram cedo para assistir ao espetáculo e ficaram totalmente impressionados com o desempenho de Ren. Eles adoraram conhecer a trupe toda. O Sr. Kadam foi educado e gentil e disse a eles que seria impossível realizar sua tarefa sem a minha ajuda.
— Fiquem tranquilos porque estaremos sempre em contato e Kelsey poderá ligar para vocês a qualquer hora — disse ele.
Mais tarde o Sr. Davis deu a sua contribuição:
— Kelsey é mais do que capaz de cumprir a tarefa. É basicamente a mesma coisa que ela vem fazendo no circo nas últimas duas semanas. Além do mais, será uma ótima experiência. Eu mesmo gostaria de ir.
Passamos uma ótima noite e foi divertido ter uma festa no circo. Sarah até trouxe cupcakes normais e minha marca favorita de sorvete. Podia não ser um aniversário de 18 anos típico, mas eu me sentia feliz de estar com minha família adotiva, meus novos amigos e meu pote de sorvete de chocolate.
Após a festa, Sarah e Mike me puxaram de lado e me lembraram de manter contato frequente durante a estadia na Índia. Eles podiam ver em meu rosto que eu estava determinada a ir e imediatamente sentiram confiança no Sr. Kadam. Eu os abracei, entusiasmada, e fui contar as boas-novas a ele.
O Sr. Kadam abriu um sorriso feliz e disse:
— Bem, Srta. Kelsey, vou precisar de mais ou menos uma semana para providenciar o transporte. Também vou pegar uma cópia da sua certidão de nascimento e providenciar documentos de viagem tanto para o tigre quanto para você. Meu plano é partir amanhã de manhã e voltar assim que tiver os documentos necessários.
Mais tarde, quando se preparava para ir embora, o Sr. Kadam aproximou-se para apertar minha mão e a segurou por um minuto, dizendo:
— Muito obrigado por sua ajuda. Você me tranquilizou e deu esperança a um velho desiludido e pessimista.
Passada a agitação do dia, fui visitar Ren.
— Aqui. Roubei um cupcake. Provavelmente não faz parte da sua dieta de tigre, mas você também merece comemorar, não é?
Ele pegou delicadamente o cupcake da minha mão estendida, engoliu-o de uma só vez e então começou a lamber o glacê dos meus dedos. Eu ri e fui lavar a mão.
— Do que será que o Sr. Kadam estava falando? Tranquilizá-lo? Ele é um pouco dramático, você não acha?
Bocejei e cocei atrás de sua orelha, sorrindo quando ele apoiou a cabeça na palma de minha mão.
— Bom, estou com sono. Vou para a cama. Vamos fazer uma viagem divertida juntos, hein?
Reprimindo outro bocejo, verifiquei se ele tinha água suficiente, então apaguei as luzes, fechei a porta e fui me deitar.
Na manhã seguinte, acordei cedo para ir ver o tigre. Entrei no galpão e me dirigi à jaula, mas encontrei a porta aberta. Ele não estava lá!
— Ren? Onde você está?
Ouvi um ruído atrás de mim, me virei e deparei com ele deitado em uma pilha de feno fora da jaula.
— Ren! Como você conseguiu sair? O Sr. Davis vai me matar! Tenho certeza de que tranquei a porta da jaula ontem à noite!
O tigre se levantou e se sacudiu, tirando a maior parte do feno de seu pelo, e caminhou preguiçosamente até mim. Foi só então que me dei conta de que estava sozinha em um galpão com um tigre solto. Fiquei em pânico, mas era tarde demais para voltar e sair do galpão. O Sr. Davis me ensinara a nunca desviar os olhos de grandes felinos, assim ergui o queixo, pus as mãos nos quadris e ordenei que ele voltasse para a jaula. O estranho foi que ele pareceu compreender o que eu queria dele. Ren passou por mim, esfregando a lateral do corpo em minha perna, e... obedeceu! Seguiu lentamente para a rampa, agitando a cauda de um lado para outro enquanto me olhava, subiu e passou pela porta em dois grandes saltos.
Corri para fechar a porta e, com ela finalmente trancada, deixei escapar um grande suspiro.
Depois de providenciar sua água e sua comida do dia, saí à procura do Sr. Davis para contar o que acontecera.
O Sr. Davis recebeu bem a notícia, considerando que um tigre ficara solto. Ficou surpreso por eu ter me preocupado mais com a segurança de Ren do que com a minha. Ele me assegurou de que eu agira certo e ficou impressionado com a calma com que eu tinha enfrentado a situação. Eu lhe disse que tomaria mais cuidado e que me certificaria de que a jaula ficasse sempre adequadamente trancada. Mas eu tinha certeza de que não a deixara destrancada.
A semana seguinte passou voando. O Sr. Kadam só reapareceu na noite da última apresentação de Ren. Ele se aproximou e perguntou se podia falar comigo depois do jantar.
— Claro. Posso me sentar com o senhor para a sobremesa — repliquei.
A atmosfera era de festa. Quando vi o Sr. Kadam entrar no prédio, peguei papel, lápis e dois potinhos de sorvete e me sentei de frente para ele.
Ele começou espalhando vários formulários e documentos para que eu assinasse.
— Vamos levar o tigre de caminhão daqui até o aeroporto de Portland. De lá, embarcaremos num avião de carga, que nos levará até Nova York, cruzará o oceano Atlântico e continuará até Mumbai. Quando chegarmos lá, deixarei Ren em suas mãos competentes por alguns dias enquanto resolvo negócios na cidade.
— Tudo bem.
— Um caminhão estará nos aguardando no aeroporto de Mumbai. Você e eu supervisionaremos os homens que transportarão Ren do avião até o caminhão. Um motorista levará vocês dois até a reserva. Providências também foram tomadas para que você fique lá por alguns dias. Então, você poderá se preparar para a volta quando achar melhor. Eu fornecerei todo o dinheiro necessário para a viagem, mais do que o suficiente para qualquer emergência.
Fui anotando freneticamente, tentando registrar todas as suas instruções.
— O Sr. Davis vai ajudar a preparar Ren e também vai colocá-lo no caminhão amanhã de manhã. Sugiro que você prepare uma mala com todos os pertences pessoais que queira levar. Vou dormir aqui esta noite, portanto você pode usar meu carro alugado e ir até sua casa pegar suas coisas, desde que esteja de volta amanhã bem cedo. Alguma pergunta?
— Bem, tenho mais ou menos um bilhão delas, mas a maior parte pode esperar até amanhã. Acho que é melhor eu ir para casa fazer a mala.
Ele sorriu afetuosamente e pôs as chaves do carro na minha mão.
— Obrigado mais uma vez, Srta. Kelsey. Estou ansioso por nossa viagem. Até amanhã.
Sorri de volta e me despedi.
Voltei à tenda para pegar minhas coisas e falei brevemente com Matt, Cathleen, o Sr. Davis e o Sr. Maurizio. Eu havia passado pouco tempo no circo, mas me afeiçoara a todos.
Depois de lhes desejar boa sorte e me despedir, passei na jaula de Ren para dizer boa-noite. Ele já estava dormindo, então o deixei e segui para o estacionamento.
Só havia um carro estacionado – um lindo conversível prata. Olhei para o chaveiro e li “Bentley GTC Conversível”.
Minha nossa! Só pode ser brincadeira. Este carro deve valer uma fortuna! O Sr. Kadam confia mesmo em mim.
Aproximei-me do carro timidamente e apertei na chave o botão de destravar as portas. Os faróis piscaram para mim. Abri a porta, me sentei na poltrona de couro macio e corri a mão sobre a costura elegante e bem-acabada. O painel parecia ultramoderno. Era o carro mais luxuoso que eu já vira.
Liguei o motor e dei um pulo quando ele rugiu, ganhando vida. Mesmo eu, que não tinha o menor conhecimento sobre veículos, podia ver que aquele carro era rápido. Suspirei de prazer quando percebi que ele também incluía assentos massageadores aquecidos. Cheguei em casa em poucos minutos, decepcionada por morar tão perto do circo.
Mike insistiu que um Bentley devia ser estacionado na garagem. Colocou, ansioso, seu velho sedã na rua, estacionando-o perto das latas de lixo. O pobre carro foi despachado como um gato velho enquanto o gatinho novo ganhava uma almofada macia na cama.
Mike acabou passando várias horas na garagem naquela noite, paparicando e acariciando o conversível. Eu, por outro lado, passei a noite tentando descobrir o que levar para a Índia. Pus umas peças de roupa na máquina de lavar, arrumei uma bolsa grande e passei algum tempo com minha família adotiva. As duas crianças, Rebecca e Sammy, queriam saber tudo sobre as minhas duas semanas no circo. Também falamos sobre as coisas incríveis que eu iria ver e fazer na Índia.
Eram boas pessoas, uma boa família, e se preocupavam comigo. Dizer adeus foi difícil, embora fosse apenas temporário. Legalmente, eu era adulta, mas ainda me sentia nervosa diante da perspectiva de ir sozinha para tão longe.
Abracei e beijei as crianças. Mike apertou minha mão todo formal e me deu um meio abraço por um longo minuto. Então me virei para Sarah, que me puxou para um abraço apertado. Ficamos as duas com lágrimas nos olhos, mas ela me assegurou de que estariam a apenas um telefonema de distância.
Naquela noite, mergulhei rapidamente em um sono profundo e sonhei com um belo príncipe indiano que tinha um tigre de estimação.