Como o caminhão podia ter desaparecido?
Corri até o posto de gasolina e olhei para os dois lados da rua de terra. Nada. Nem uma nuvem de poeira. Ninguém. Nada.
Talvez o motorista tenha se esquecido de mim. Vai ver foi buscar alguma coisa e já vai voltar. Ou de repente o caminhão foi roubado e o motorista ainda está por aqui, em algum lugar. Eu sabia que nenhuma dessas situações era muito provável, mas elas me davam um pouco de esperança.
Dei a volta até o outro lado do posto de gasolina e vi minha bolsa preta caída no chão. Corri até ela, peguei-a e verifiquei os bolsos. Parecia tudo em ordem.
De repente, ouvi um ruído atrás de mim e me virei, dando de cara com Ren sentado na beira da estrada. Sua cauda se agitava de um lado para outro enquanto ele me observava. Parecia um filhote de cachorro gigante abanando a cauda na esperança de que alguém o pegasse e levasse para casa.
— Ah, não! — murmurei. — Que maravilha. E o Sr. Kadam ainda disse que tudo ia dar certo. Ah! O motorista deve ter roubado o caminhão e soltado você. O que vou fazer agora?
Cansada, assustada e sozinha, me lembrei de algumas frases que minha mãe costumava repetir: “Coisas ruins às vezes acontecem com pessoas boas”, “A chave para a felicidade é tentar fazer o melhor com o que a vida nos dá” e sua máxima favorita: “Quando a vida lhe der limões, faça uma torta de limão.” Mamãe havia tentado e praticamente desistido de ter filhos – e então engravidou de mim. Ela sempre dizia que nunca se sabe o que nos espera depois da esquina.
Seguindo esse raciocínio, procurei me concentrar nos aspectos positivos. Primeiro, ainda tinha as minhas roupas. Segundo, estava com meus documentos de viagem e uma bolsa cheia de dinheiro. Esse era o lado bom. O ruim, naturalmente, era que meu transporte se fora e um tigre estava solto no meio da estrada!
Decidi que a primeira medida era garantir a segurança de Ren. Voltei ao mercado e comprei alguns petiscos de carne para cachorro e um pedaço comprido de corda.
Com a recém-adquirida corda amarela fosforescente, saí do mercado e tentei fazer com que meu tigre cooperasse. Ele havia se afastado vários passos e agora seguia para a selva. Corri atrás dele.
A atitude sensata teria sido voltar ao mercado, pedir um telefone emprestado e ligar para o Sr. Kadam. Ele podia mandar algumas pessoas, profissionais, para pegá-lo. Mas àquela altura eu estava muito longe de pensar com sensatez. Eu não tinha medo dele, mas do que poderia lhe acontecer se outras pessoas entrassem em pânico e usassem armas para dominá-lo.
Também me preocupava o fato de que, mesmo que Ren escapasse, pudesse não sobreviver na selva. Não estava acostumado a caçar por conta própria. Eu sabia que era burrice, mas optei por seguir meu tigre.
— Ren, volte! — implorei. — Precisamos conseguir ajuda! Esta não é a sua reserva. Venha, eu tenho um petisco para você!
Agitei o bastão de carne no ar, mas ele continuou avançando. Eu estava sobrecarregada com a mochila do Sr. Kadam e a minha bolsa. Podia acompanhar o seu ritmo, mas o peso extra era demais para que eu pudesse alcançá-lo.
Ele não estava indo muito rápido, mas conseguia se manter o tempo todo vários passos à minha frente. De repente, com um salto, ele disparou selva adentro. A mochila sacolejava pesadamente enquanto eu o perseguia. Depois de uns 15 minutos correndo atrás dele, o suor escorria pelo meu rosto, a roupa se colava ao meu corpo e meus pés se arrastavam feito paralelepípedos.
Quando meu ritmo caiu, tornei a suplicar:
— Ren, por favor, pare. Precisamos voltar à cidade. Logo, logo vai escurecer.
Ele me ignorou e começou a ziguezaguear entre as árvores. De vez em quando, parava e se virava para me olhar.
Sempre que eu achava que finalmente o havia alcançado, ele acelerava e saltava alguns metros adiante, fazendo-me ir atrás dele outra vez. Era como se estivesse brincando comigo. Mantinha-se sempre fora do meu alcance.
Depois de seguir Ren por outros 15 minutos, ainda sem alcançá-lo, resolvi fazer uma pausa em minha perseguição. Sabia que me afastara muito da cidade e a luz do dia já diminuía. Eu estava totalmente perdida.
Ren deve ter se dado conta de que eu não o seguia mais, porque no mesmo instante diminuiu o ritmo, deu meia-volta e marchou, culpado, de volta até onde eu estava. Olhei para ele furiosa.
— Eu devia saber. No instante em que paro, você volta. Espero que esteja contente.
Amarrei a corda em sua coleira e girei o corpo numa volta completa, estudando com atenção cada direção, para tentar me localizar.
Havíamos penetrado muito na selva, ziguezagueando entre árvores e dando voltas diversas vezes. Percebi, com grande desespero, que havia perdido toda e qualquer noção de direção. O sol já se punha e o dossel das árvores acima de nossas cabeças bloqueava o pouco de luz que restava. Um medo sufocante se instalou em mim e uma onda de frio atingiu o meu corpo, lançando arrepios pela minha pele.
Girei a corda nas mãos, nervosa, e resmunguei para o tigre:
— Muito obrigada, Ren! Onde estou? O que estou fazendo? Estou perdida na Índia, no meio da selva, à noite, com um tigre pela corda!
Ren se sentou quieto ao meu lado.
Meu medo me dominou por um minuto e tive a sensação de que a selva se fechava à minha volta. Os sons característicos confundiam minha mente apavorada, atacando meu bom senso.
Imaginei criaturas me espreitando, seus olhos vítreos e hostis me observando e esperando para avançar. Olhei para cima e vi nuvens pesadas de chuva se formando, rapidamente engolindo o céu do início de noite. Um vento frio açoitava as árvores e rodopiava em torno do meu corpo rígido.
Depois de alguns instantes, Ren se levantou e avançou, puxando delicadamente meu corpo tenso com ele. Eu o segui, relutante. Por um momento, ri de nervoso por deixar que um tigre me conduzisse através da selva, mas concluí que não havia o menor sentido em eu tentar assumir o comando. Não tinha a menor ideia de onde estávamos.
Ren prosseguiu por alguma trilha invisível, puxando-me com ele. Perdi a noção do tempo, mas meu palpite era de que andamos pela selva durante uma hora, talvez duas. Agora estava muito escuro, e eu sentia medo e sede.
Lembrando que o Sr. Kadam havia abastecido a mochila com água, abri o zíper e tateei em busca de uma garrafa. Minha mão esbarrou em algo frio e metálico. Uma lanterna! Liguei-a e senti certo alívio em poder contar com um feixe de luz para caminhar na escuridão.
Nas sombras, a selva densa parecia ameaçadora. Não que não fosse igualmente aterrorizante durante o dia, mas meu minguado feixe de luz não ia muito longe, o que tornava a situação ainda pior. Quando a lua tênue aparecia e dispersava seus raios intermitentes através do denso dossel acima, o pelo de Ren brilhava onde a luz prateada o tocava. Quando a lua se escondeu atrás das nuvens, Ren desapareceu completamente na trilha à frente.
Eu voltei a lanterna em sua direção e vi a vegetação rasteira e espinhenta arranhando sua pelagem branco-prateada. Ele reagia aos espinhos empurrando rudemente as plantas para o lado com o corpo, quase como se estivesse abrindo caminho para mim.
Depois de andar por muito tempo, ele finalmente me puxou para perto de um bambuzal. Empinou o focinho no ar, farejando algo, seguiu até uma área gramada e se deitou.
— Bem, acho que isso significa que passaremos a noite aqui. — Tirei a mochila das costas enquanto resmungava. — Ótimo. Excelente escolha. Eu daria quatro estrelas se o serviço incluísse chocolates no travesseiro.
Primeiro, soltei a corda da coleira de Ren, concluindo que ele não iria fugir, então me agachei e abri a bolsa. Tirei uma blusa de mangas compridas e amarrei-a na cintura. Peguei duas garrafas de água e três barras de cereais da mochila. Abri a embalagem de duas barrinhas e as estendi para Ren.
Ele pegou uma com cuidado em minha mão e a engoliu.
— Será que um tigre deve comer barras de cereais? Você provavelmente precisa de alguma coisa com mais proteína e a única coisa com proteína aqui sou eu. Mas nem pense nisso. Meu gosto é horrível.
Ele inclinou a cabeça na minha direção, como se considerasse seriamente a possibilidade, então engoliu a segunda barrinha. Abri a terceira e a comi devagar. Abrindo outro compartimento da mochila, encontrei o isqueiro e decidi fazer uma fogueira. Procurando com a lanterna, fiquei surpresa ao descobrir uma boa quantidade de madeira ali perto.
Recordei meus dias de escoteira e fiz uma pequena fogueira. O vento a apagou duas vezes, mas na terceira tentativa ela pegou, crepitando de modo suave. Fiquei satisfeita com meu trabalho e separei pedaços maiores de madeira para pôr na fogueira mais tarde. Remexi nos compartimentos da mochila mais perto do fogo e encontrei uma sacola plástica. Fiz uma tigela improvisada com um pedaço grande e curvo de casca de árvore, forrei o interior com a sacola, despejei uma garrafa de água ali e levei-a até Ren. Ele bebeu tudo e continuou lambendo a sacola, então despejei outra garrafa, que ele também bebeu com avidez.
Voltei à fogueira e me assustei com um uivo ameaçador ali perto. Ren se levantou imediatamente e saiu em disparada, desaparecendo na escuridão. Ouvi um rosnado profundo e então outro, colérico e perverso. Fiquei olhando para a escuridão entre as árvores, onde Ren havia desaparecido, mas ele logo voltou, ileso, e começou a esfregar a lateral do corpo numa árvore. Satisfeito com aquela, passou a outra, e mais outra, até ter se esfregado em todas as árvores que nos cercavam.
— Nossa, Ren, você deve estar com uma coceira e tanto.
Deixando-o com sua coceira, afofei a bolsa com as roupas para usá-la como travesseiro e passei a blusa de mangas compridas pela cabeça. Peguei minha colcha e a estendi sobre minhas pernas. Então me deitei de lado, enfiei a mão sob o rosto, fitei o fogo e senti grossas lágrimas escorrerem pela minha face.
Comecei a escutar ruídos sinistros à minha volta. Ouvia estalos, assovios e estouros por toda parte, e passei a imaginar criaturas rastejantes se escondendo no meu cabelo e entrando nas minhas meias. Estremeci e me sentei para ajeitar a colcha à minha volta, de modo que cobrisse cada parte do meu corpo; então me acomodei no chão outra vez, enrolada como uma múmia.
Assim estava bem melhor, mas em seguida imaginei animais se aproximando sorrateiramente por trás de mim. No momento em que comecei a me virar de costas, Ren se deitou ao meu lado, aconchegando as costas de encontro às minhas, e começou a ronronar. Agradecida, enxuguei as lágrimas e pude me desligar dos sons da noite, concentrando-me no ronronar de Ren, que mais tarde se transformou em uma respiração rítmica e profunda.
Aproximei-me um pouco mais de suas costas, surpresa em perceber que, afinal de contas, eu conseguiria dormir na selva.
Um luminoso raio de sol bateu em minhas pálpebras fechadas e abri os olhos devagar. Sem lembrar de onde estava, eu me espreguicei e me encolhi de dor quando minhas costas se arrastaram no chão duro. Também senti um peso na perna. Olhei para baixo e vi Ren, os olhos fechados, com a cabeça e uma pata apoiadas em minha perna.
— Ren — sussurrei — acorde. Minha perna está dormente.
Ele não se moveu.
Eu me sentei e empurrei seu corpo de leve.
— Vamos, Ren. Mexa-se!
Ele grunhiu suavemente, mas permaneceu imóvel.
— Ren! É sério!
Sacudi a perna e o empurrei com mais força. Ele finalmente abriu os olhos, deu um bocejo gigante, exibindo seus dentes de tigre, e então rolou de lado, saindo de cima da minha perna.
Levantando-me, sacudi a colcha, dobrei-a e a enfiei na bolsa. Também pisoteei as cinzas do fogo para me certificar de que não havia mais nada queimando.
— Só para você saber, eu odeio acampar — queixei-me em voz alta. — Não poder usar um banheiro também não é nada legal. “Chamados da natureza” durante um passeio na selva não estão na minha lista de coisas favoritas. Para vocês, tigres, e machos em geral, é muito mais fácil do que para nós, garotas.
Recolhi as garrafas e embalagens vazias e coloquei tudo na mochila. A última coisa que peguei foi a corda amarela.
O tigre ficou lá sentado me observando. Desisti de fingir que era eu quem estava no comando e guardei a corda também.
— Muito bem, Ren. Estou pronta. Para onde vamos hoje?
Virando-se, ele partiu novamente selva adentro.
Foi abrindo um caminho sinuoso entre árvores e vegetação rasteira, sobre pedras e através de riachos. Ele não parecia ter pressa e até fazia uma pausa de vez em quando, como se soubesse que eu precisava de um descanso. Agora que o sol ia subindo, o ar estava se tornando bastante abafado, então tirei minha blusa de mangas compridas e a amarrei na cintura.
A selva era muito verde e no ar pairava uma fragrância apimentada, muito diferente daquela das florestas do Oregon. As grandes árvores decíduas eram esparsas e tinham galhos finos e graciosos. As folhas exibiam um tom verde-oliva em vez dos verdes intensos das sempre-verdes a que eu estava acostumada. A casca dos troncos era de um cinza escuro e áspera ao toque; onde havia rachaduras, o tronco descascava e desprendia-se em lascas finas.
Esquilos saltavam de árvore em árvore e várias vezes assustamos cervos que pastavam. Ao farejar um tigre, eles imediatamente fugiam. Eu observava Ren para ver sua reação, mas ele os ignorava. Vi uma árvore comum de tamanho médio e casca fina, mas que exibia uma resina viscosa escorrendo pelo tronco. Apoiei-me em uma delas para tirar uma pedrinha do tênis e passei a hora seguinte tentando remover o visgo dos dedos.
Tinha acabado de me livrar do último vestígio quando passamos por um trecho com vegetação particularmente densa de grama alta e bambu, e fizemos um bando de aves coloridas voar em disparada para o céu. Levei um susto tão grande que recuei alguns passos e fui de encontro a outra daquelas árvores da resina, ficando com toda a parte superior do braço coberta pela substância pegajosa.
Ren parou em um riacho. Peguei uma garrafa de água e a bebi toda de uma vez. Era bom ter menos peso na mochila, mas eu estava preocupada por não saber onde conseguiria água depois que meu suprimento acabasse. Imaginei que pudesse beber do mesmo riacho que Ren, mas adiaria isso o máximo possível.
Sentei-me em uma pedra e procurei outra barrinha de cereais. Comi metade de uma e dei a Ren a outra metade e mais uma inteira. Eu sabia que podia sobreviver com aquelas poucas calorias, mas tinha quase certeza de que Ren não. Logo ele teria que caçar.
Abrindo um bolso da mochila do Sr. Kadam, encontrei uma bússola. Enfiei-a no bolso da calça jeans. Ainda havia o dinheiro, os documentos de viagem, mais garrafas de água, um kit de primeiros socorros, repelente, uma vela e um canivete, mas nenhum telefone celular. E, ainda por cima, o meu celular havia desaparecido.
Estranho. Será que o Sr. Kadam sabia que eu acabaria na selva? Pensei no homem que se parecia com ele de pé ao lado do caminhão pouco antes de ele ser roubado e disse em voz alta:
— Será que ele queria que eu me perdesse aqui?
Ren veio até mim e se sentou.
— Não — continuei a falar sozinha, olhando nos olhos azuis do animal. — Isso também não faz o menor sentido. Que motivo ele teria para me trazer até a Índia só para fazer com que eu me perdesse na selva? Ele não poderia saber que você me traria até aqui ou que eu o seguiria.
O olhar de Ren se desviou para o chão, como se ele se sentisse culpado.
— Acho que o Sr. Kadam é só um escoteiro muito bem preparado.
Depois de um breve descanso, Ren tornou a se levantar, afastou-se alguns passos e se virou para me esperar. Forcei-me a ficar de pé, resmungando, e fui atrás dele. Peguei o repelente, joguei um bom jato em meus braços e pernas e esguichei um pouco em Ren, só para garantir. Ri quando ele franziu o focinho e um grande espirro de tigre sacudiu-lhe o corpo.
— Então, Ren, aonde estamos indo? Você age como se tivesse um destino em mente. Por mim, voltaríamos para a civilização. Portanto, se você puder encontrar uma cidade, eu ficaria muito grata.
Pelo resto da manhã e início da tarde, ele continuou a me conduzir por uma trilha que somente ele podia ver.
Eu consultava a bússola com frequência e concluí que estávamos seguindo para leste. Estava tentando calcular quantos quilômetros devíamos ter caminhado quando Ren se escondeu entre uns arbustos. Eu o segui e deparei com uma pequena clareira do outro lado.
Com grande alívio, vi uma pequena cabana que se erguia bem no meio da clareira. O telhado curvo era coberto por fileiras de bambus amarrados juntos que pendiam do topo da estrutura. Cordas de fibras, amarradas em intrincados nós, prendiam grandes postes de bambu um ao lado do outro, formando paredes, e as frestas eram cobertas por grama e argila secas.
A cabana era cercada por uma barreira de pedras soltas empilhadas umas sobre as outras com o intuito de criar um muro baixo, de cerca de 60 centímetros de altura. As pedras estavam cobertas por um musgo verdejante e espesso.
Diante da cabana, painéis finos de pedra encontravam-se presos ao muro e eram pintados com uma indecifrável variedade de símbolos e formas. A porta do abrigo era tão pequena que uma pessoa de estatura média teria que se curvar para entrar. Havia um varal de roupas adejando ao vento e via-se um pequeno jardim florido ao lado da casa.
Nós nos aproximamos do muro de pedra e Ren saltou sobre a barreira ao meu lado.
— Ren! Você quase me matou de susto! Faça algum ruído antes, sei lá.
Chegamos mais perto da cabana e eu me preparei para bater na porta minúscula, mas então hesitei, olhando para Ren.
— Precisamos fazer alguma coisa com você primeiro.
Peguei a corda amarela na mochila e me aproximei de uma árvore ao lado do quintal. Ele me seguiu, hesitante. Acenei para que se aproximasse. Quando ele finalmente chegou perto o bastante, passei a corda por sua coleira e amarrei a outra ponta na árvore. Ele não pareceu muito feliz.
— Sinto muito, Ren, mas não posso deixá-lo solto. Isso assustaria as pessoas. Prometo que volto assim que puder.
Comecei a retornar para a casinha, mas fiquei paralisada quando ouvi uma voz masculina e baixa atrás de mim dizer:
— Isso é mesmo necessário?
Virando-me lentamente, deparei com um rapaz bonito de pé bem à minha frente. Parecia jovem, com 20 e poucos anos. Era uns 30 centímetros mais alto do que eu e tinha o corpo forte e esbelto, vestido em roupas largas de algodão branco. Sua camisa de mangas compridas estava para fora da calça e parcialmente desabotoada, deixando ver um tórax liso, largo e de um tom de bronze dourado. A calça leve estava enrolada na altura do tornozelo, realçando os pés descalços. Os cabelos, negros e lustrosos, estavam penteados para trás e se encaracolavam ligeiramente na nuca.
Seus olhos eram o que mais me chamava a atenção. Aqueles eram os olhos do meu tigre, o mesmo tom cobalto profundo. Estendendo a mão, ele falou:
— Oi, Kelsey. Sou eu, Ren.
Corri até o posto de gasolina e olhei para os dois lados da rua de terra. Nada. Nem uma nuvem de poeira. Ninguém. Nada.
Talvez o motorista tenha se esquecido de mim. Vai ver foi buscar alguma coisa e já vai voltar. Ou de repente o caminhão foi roubado e o motorista ainda está por aqui, em algum lugar. Eu sabia que nenhuma dessas situações era muito provável, mas elas me davam um pouco de esperança.
Dei a volta até o outro lado do posto de gasolina e vi minha bolsa preta caída no chão. Corri até ela, peguei-a e verifiquei os bolsos. Parecia tudo em ordem.
De repente, ouvi um ruído atrás de mim e me virei, dando de cara com Ren sentado na beira da estrada. Sua cauda se agitava de um lado para outro enquanto ele me observava. Parecia um filhote de cachorro gigante abanando a cauda na esperança de que alguém o pegasse e levasse para casa.
— Ah, não! — murmurei. — Que maravilha. E o Sr. Kadam ainda disse que tudo ia dar certo. Ah! O motorista deve ter roubado o caminhão e soltado você. O que vou fazer agora?
Cansada, assustada e sozinha, me lembrei de algumas frases que minha mãe costumava repetir: “Coisas ruins às vezes acontecem com pessoas boas”, “A chave para a felicidade é tentar fazer o melhor com o que a vida nos dá” e sua máxima favorita: “Quando a vida lhe der limões, faça uma torta de limão.” Mamãe havia tentado e praticamente desistido de ter filhos – e então engravidou de mim. Ela sempre dizia que nunca se sabe o que nos espera depois da esquina.
Seguindo esse raciocínio, procurei me concentrar nos aspectos positivos. Primeiro, ainda tinha as minhas roupas. Segundo, estava com meus documentos de viagem e uma bolsa cheia de dinheiro. Esse era o lado bom. O ruim, naturalmente, era que meu transporte se fora e um tigre estava solto no meio da estrada!
Decidi que a primeira medida era garantir a segurança de Ren. Voltei ao mercado e comprei alguns petiscos de carne para cachorro e um pedaço comprido de corda.
Com a recém-adquirida corda amarela fosforescente, saí do mercado e tentei fazer com que meu tigre cooperasse. Ele havia se afastado vários passos e agora seguia para a selva. Corri atrás dele.
A atitude sensata teria sido voltar ao mercado, pedir um telefone emprestado e ligar para o Sr. Kadam. Ele podia mandar algumas pessoas, profissionais, para pegá-lo. Mas àquela altura eu estava muito longe de pensar com sensatez. Eu não tinha medo dele, mas do que poderia lhe acontecer se outras pessoas entrassem em pânico e usassem armas para dominá-lo.
Também me preocupava o fato de que, mesmo que Ren escapasse, pudesse não sobreviver na selva. Não estava acostumado a caçar por conta própria. Eu sabia que era burrice, mas optei por seguir meu tigre.
— Ren, volte! — implorei. — Precisamos conseguir ajuda! Esta não é a sua reserva. Venha, eu tenho um petisco para você!
Agitei o bastão de carne no ar, mas ele continuou avançando. Eu estava sobrecarregada com a mochila do Sr. Kadam e a minha bolsa. Podia acompanhar o seu ritmo, mas o peso extra era demais para que eu pudesse alcançá-lo.
Ele não estava indo muito rápido, mas conseguia se manter o tempo todo vários passos à minha frente. De repente, com um salto, ele disparou selva adentro. A mochila sacolejava pesadamente enquanto eu o perseguia. Depois de uns 15 minutos correndo atrás dele, o suor escorria pelo meu rosto, a roupa se colava ao meu corpo e meus pés se arrastavam feito paralelepípedos.
Quando meu ritmo caiu, tornei a suplicar:
— Ren, por favor, pare. Precisamos voltar à cidade. Logo, logo vai escurecer.
Ele me ignorou e começou a ziguezaguear entre as árvores. De vez em quando, parava e se virava para me olhar.
Sempre que eu achava que finalmente o havia alcançado, ele acelerava e saltava alguns metros adiante, fazendo-me ir atrás dele outra vez. Era como se estivesse brincando comigo. Mantinha-se sempre fora do meu alcance.
Depois de seguir Ren por outros 15 minutos, ainda sem alcançá-lo, resolvi fazer uma pausa em minha perseguição. Sabia que me afastara muito da cidade e a luz do dia já diminuía. Eu estava totalmente perdida.
Ren deve ter se dado conta de que eu não o seguia mais, porque no mesmo instante diminuiu o ritmo, deu meia-volta e marchou, culpado, de volta até onde eu estava. Olhei para ele furiosa.
— Eu devia saber. No instante em que paro, você volta. Espero que esteja contente.
Amarrei a corda em sua coleira e girei o corpo numa volta completa, estudando com atenção cada direção, para tentar me localizar.
Havíamos penetrado muito na selva, ziguezagueando entre árvores e dando voltas diversas vezes. Percebi, com grande desespero, que havia perdido toda e qualquer noção de direção. O sol já se punha e o dossel das árvores acima de nossas cabeças bloqueava o pouco de luz que restava. Um medo sufocante se instalou em mim e uma onda de frio atingiu o meu corpo, lançando arrepios pela minha pele.
Girei a corda nas mãos, nervosa, e resmunguei para o tigre:
— Muito obrigada, Ren! Onde estou? O que estou fazendo? Estou perdida na Índia, no meio da selva, à noite, com um tigre pela corda!
Ren se sentou quieto ao meu lado.
Meu medo me dominou por um minuto e tive a sensação de que a selva se fechava à minha volta. Os sons característicos confundiam minha mente apavorada, atacando meu bom senso.
Imaginei criaturas me espreitando, seus olhos vítreos e hostis me observando e esperando para avançar. Olhei para cima e vi nuvens pesadas de chuva se formando, rapidamente engolindo o céu do início de noite. Um vento frio açoitava as árvores e rodopiava em torno do meu corpo rígido.
Depois de alguns instantes, Ren se levantou e avançou, puxando delicadamente meu corpo tenso com ele. Eu o segui, relutante. Por um momento, ri de nervoso por deixar que um tigre me conduzisse através da selva, mas concluí que não havia o menor sentido em eu tentar assumir o comando. Não tinha a menor ideia de onde estávamos.
Ren prosseguiu por alguma trilha invisível, puxando-me com ele. Perdi a noção do tempo, mas meu palpite era de que andamos pela selva durante uma hora, talvez duas. Agora estava muito escuro, e eu sentia medo e sede.
Lembrando que o Sr. Kadam havia abastecido a mochila com água, abri o zíper e tateei em busca de uma garrafa. Minha mão esbarrou em algo frio e metálico. Uma lanterna! Liguei-a e senti certo alívio em poder contar com um feixe de luz para caminhar na escuridão.
Nas sombras, a selva densa parecia ameaçadora. Não que não fosse igualmente aterrorizante durante o dia, mas meu minguado feixe de luz não ia muito longe, o que tornava a situação ainda pior. Quando a lua tênue aparecia e dispersava seus raios intermitentes através do denso dossel acima, o pelo de Ren brilhava onde a luz prateada o tocava. Quando a lua se escondeu atrás das nuvens, Ren desapareceu completamente na trilha à frente.
Eu voltei a lanterna em sua direção e vi a vegetação rasteira e espinhenta arranhando sua pelagem branco-prateada. Ele reagia aos espinhos empurrando rudemente as plantas para o lado com o corpo, quase como se estivesse abrindo caminho para mim.
Depois de andar por muito tempo, ele finalmente me puxou para perto de um bambuzal. Empinou o focinho no ar, farejando algo, seguiu até uma área gramada e se deitou.
— Bem, acho que isso significa que passaremos a noite aqui. — Tirei a mochila das costas enquanto resmungava. — Ótimo. Excelente escolha. Eu daria quatro estrelas se o serviço incluísse chocolates no travesseiro.
Primeiro, soltei a corda da coleira de Ren, concluindo que ele não iria fugir, então me agachei e abri a bolsa. Tirei uma blusa de mangas compridas e amarrei-a na cintura. Peguei duas garrafas de água e três barras de cereais da mochila. Abri a embalagem de duas barrinhas e as estendi para Ren.
Ele pegou uma com cuidado em minha mão e a engoliu.
— Será que um tigre deve comer barras de cereais? Você provavelmente precisa de alguma coisa com mais proteína e a única coisa com proteína aqui sou eu. Mas nem pense nisso. Meu gosto é horrível.
Ele inclinou a cabeça na minha direção, como se considerasse seriamente a possibilidade, então engoliu a segunda barrinha. Abri a terceira e a comi devagar. Abrindo outro compartimento da mochila, encontrei o isqueiro e decidi fazer uma fogueira. Procurando com a lanterna, fiquei surpresa ao descobrir uma boa quantidade de madeira ali perto.
Recordei meus dias de escoteira e fiz uma pequena fogueira. O vento a apagou duas vezes, mas na terceira tentativa ela pegou, crepitando de modo suave. Fiquei satisfeita com meu trabalho e separei pedaços maiores de madeira para pôr na fogueira mais tarde. Remexi nos compartimentos da mochila mais perto do fogo e encontrei uma sacola plástica. Fiz uma tigela improvisada com um pedaço grande e curvo de casca de árvore, forrei o interior com a sacola, despejei uma garrafa de água ali e levei-a até Ren. Ele bebeu tudo e continuou lambendo a sacola, então despejei outra garrafa, que ele também bebeu com avidez.
Voltei à fogueira e me assustei com um uivo ameaçador ali perto. Ren se levantou imediatamente e saiu em disparada, desaparecendo na escuridão. Ouvi um rosnado profundo e então outro, colérico e perverso. Fiquei olhando para a escuridão entre as árvores, onde Ren havia desaparecido, mas ele logo voltou, ileso, e começou a esfregar a lateral do corpo numa árvore. Satisfeito com aquela, passou a outra, e mais outra, até ter se esfregado em todas as árvores que nos cercavam.
— Nossa, Ren, você deve estar com uma coceira e tanto.
Deixando-o com sua coceira, afofei a bolsa com as roupas para usá-la como travesseiro e passei a blusa de mangas compridas pela cabeça. Peguei minha colcha e a estendi sobre minhas pernas. Então me deitei de lado, enfiei a mão sob o rosto, fitei o fogo e senti grossas lágrimas escorrerem pela minha face.
Comecei a escutar ruídos sinistros à minha volta. Ouvia estalos, assovios e estouros por toda parte, e passei a imaginar criaturas rastejantes se escondendo no meu cabelo e entrando nas minhas meias. Estremeci e me sentei para ajeitar a colcha à minha volta, de modo que cobrisse cada parte do meu corpo; então me acomodei no chão outra vez, enrolada como uma múmia.
Assim estava bem melhor, mas em seguida imaginei animais se aproximando sorrateiramente por trás de mim. No momento em que comecei a me virar de costas, Ren se deitou ao meu lado, aconchegando as costas de encontro às minhas, e começou a ronronar. Agradecida, enxuguei as lágrimas e pude me desligar dos sons da noite, concentrando-me no ronronar de Ren, que mais tarde se transformou em uma respiração rítmica e profunda.
Aproximei-me um pouco mais de suas costas, surpresa em perceber que, afinal de contas, eu conseguiria dormir na selva.
Um luminoso raio de sol bateu em minhas pálpebras fechadas e abri os olhos devagar. Sem lembrar de onde estava, eu me espreguicei e me encolhi de dor quando minhas costas se arrastaram no chão duro. Também senti um peso na perna. Olhei para baixo e vi Ren, os olhos fechados, com a cabeça e uma pata apoiadas em minha perna.
— Ren — sussurrei — acorde. Minha perna está dormente.
Ele não se moveu.
Eu me sentei e empurrei seu corpo de leve.
— Vamos, Ren. Mexa-se!
Ele grunhiu suavemente, mas permaneceu imóvel.
— Ren! É sério!
Sacudi a perna e o empurrei com mais força. Ele finalmente abriu os olhos, deu um bocejo gigante, exibindo seus dentes de tigre, e então rolou de lado, saindo de cima da minha perna.
Levantando-me, sacudi a colcha, dobrei-a e a enfiei na bolsa. Também pisoteei as cinzas do fogo para me certificar de que não havia mais nada queimando.
— Só para você saber, eu odeio acampar — queixei-me em voz alta. — Não poder usar um banheiro também não é nada legal. “Chamados da natureza” durante um passeio na selva não estão na minha lista de coisas favoritas. Para vocês, tigres, e machos em geral, é muito mais fácil do que para nós, garotas.
Recolhi as garrafas e embalagens vazias e coloquei tudo na mochila. A última coisa que peguei foi a corda amarela.
O tigre ficou lá sentado me observando. Desisti de fingir que era eu quem estava no comando e guardei a corda também.
— Muito bem, Ren. Estou pronta. Para onde vamos hoje?
Virando-se, ele partiu novamente selva adentro.
Foi abrindo um caminho sinuoso entre árvores e vegetação rasteira, sobre pedras e através de riachos. Ele não parecia ter pressa e até fazia uma pausa de vez em quando, como se soubesse que eu precisava de um descanso. Agora que o sol ia subindo, o ar estava se tornando bastante abafado, então tirei minha blusa de mangas compridas e a amarrei na cintura.
A selva era muito verde e no ar pairava uma fragrância apimentada, muito diferente daquela das florestas do Oregon. As grandes árvores decíduas eram esparsas e tinham galhos finos e graciosos. As folhas exibiam um tom verde-oliva em vez dos verdes intensos das sempre-verdes a que eu estava acostumada. A casca dos troncos era de um cinza escuro e áspera ao toque; onde havia rachaduras, o tronco descascava e desprendia-se em lascas finas.
Esquilos saltavam de árvore em árvore e várias vezes assustamos cervos que pastavam. Ao farejar um tigre, eles imediatamente fugiam. Eu observava Ren para ver sua reação, mas ele os ignorava. Vi uma árvore comum de tamanho médio e casca fina, mas que exibia uma resina viscosa escorrendo pelo tronco. Apoiei-me em uma delas para tirar uma pedrinha do tênis e passei a hora seguinte tentando remover o visgo dos dedos.
Tinha acabado de me livrar do último vestígio quando passamos por um trecho com vegetação particularmente densa de grama alta e bambu, e fizemos um bando de aves coloridas voar em disparada para o céu. Levei um susto tão grande que recuei alguns passos e fui de encontro a outra daquelas árvores da resina, ficando com toda a parte superior do braço coberta pela substância pegajosa.
Ren parou em um riacho. Peguei uma garrafa de água e a bebi toda de uma vez. Era bom ter menos peso na mochila, mas eu estava preocupada por não saber onde conseguiria água depois que meu suprimento acabasse. Imaginei que pudesse beber do mesmo riacho que Ren, mas adiaria isso o máximo possível.
Sentei-me em uma pedra e procurei outra barrinha de cereais. Comi metade de uma e dei a Ren a outra metade e mais uma inteira. Eu sabia que podia sobreviver com aquelas poucas calorias, mas tinha quase certeza de que Ren não. Logo ele teria que caçar.
Abrindo um bolso da mochila do Sr. Kadam, encontrei uma bússola. Enfiei-a no bolso da calça jeans. Ainda havia o dinheiro, os documentos de viagem, mais garrafas de água, um kit de primeiros socorros, repelente, uma vela e um canivete, mas nenhum telefone celular. E, ainda por cima, o meu celular havia desaparecido.
Estranho. Será que o Sr. Kadam sabia que eu acabaria na selva? Pensei no homem que se parecia com ele de pé ao lado do caminhão pouco antes de ele ser roubado e disse em voz alta:
— Será que ele queria que eu me perdesse aqui?
Ren veio até mim e se sentou.
— Não — continuei a falar sozinha, olhando nos olhos azuis do animal. — Isso também não faz o menor sentido. Que motivo ele teria para me trazer até a Índia só para fazer com que eu me perdesse na selva? Ele não poderia saber que você me traria até aqui ou que eu o seguiria.
O olhar de Ren se desviou para o chão, como se ele se sentisse culpado.
— Acho que o Sr. Kadam é só um escoteiro muito bem preparado.
Depois de um breve descanso, Ren tornou a se levantar, afastou-se alguns passos e se virou para me esperar. Forcei-me a ficar de pé, resmungando, e fui atrás dele. Peguei o repelente, joguei um bom jato em meus braços e pernas e esguichei um pouco em Ren, só para garantir. Ri quando ele franziu o focinho e um grande espirro de tigre sacudiu-lhe o corpo.
— Então, Ren, aonde estamos indo? Você age como se tivesse um destino em mente. Por mim, voltaríamos para a civilização. Portanto, se você puder encontrar uma cidade, eu ficaria muito grata.
Pelo resto da manhã e início da tarde, ele continuou a me conduzir por uma trilha que somente ele podia ver.
Eu consultava a bússola com frequência e concluí que estávamos seguindo para leste. Estava tentando calcular quantos quilômetros devíamos ter caminhado quando Ren se escondeu entre uns arbustos. Eu o segui e deparei com uma pequena clareira do outro lado.
Com grande alívio, vi uma pequena cabana que se erguia bem no meio da clareira. O telhado curvo era coberto por fileiras de bambus amarrados juntos que pendiam do topo da estrutura. Cordas de fibras, amarradas em intrincados nós, prendiam grandes postes de bambu um ao lado do outro, formando paredes, e as frestas eram cobertas por grama e argila secas.
A cabana era cercada por uma barreira de pedras soltas empilhadas umas sobre as outras com o intuito de criar um muro baixo, de cerca de 60 centímetros de altura. As pedras estavam cobertas por um musgo verdejante e espesso.
Diante da cabana, painéis finos de pedra encontravam-se presos ao muro e eram pintados com uma indecifrável variedade de símbolos e formas. A porta do abrigo era tão pequena que uma pessoa de estatura média teria que se curvar para entrar. Havia um varal de roupas adejando ao vento e via-se um pequeno jardim florido ao lado da casa.
Nós nos aproximamos do muro de pedra e Ren saltou sobre a barreira ao meu lado.
— Ren! Você quase me matou de susto! Faça algum ruído antes, sei lá.
Chegamos mais perto da cabana e eu me preparei para bater na porta minúscula, mas então hesitei, olhando para Ren.
— Precisamos fazer alguma coisa com você primeiro.
Peguei a corda amarela na mochila e me aproximei de uma árvore ao lado do quintal. Ele me seguiu, hesitante. Acenei para que se aproximasse. Quando ele finalmente chegou perto o bastante, passei a corda por sua coleira e amarrei a outra ponta na árvore. Ele não pareceu muito feliz.
— Sinto muito, Ren, mas não posso deixá-lo solto. Isso assustaria as pessoas. Prometo que volto assim que puder.
Comecei a retornar para a casinha, mas fiquei paralisada quando ouvi uma voz masculina e baixa atrás de mim dizer:
— Isso é mesmo necessário?
Virando-me lentamente, deparei com um rapaz bonito de pé bem à minha frente. Parecia jovem, com 20 e poucos anos. Era uns 30 centímetros mais alto do que eu e tinha o corpo forte e esbelto, vestido em roupas largas de algodão branco. Sua camisa de mangas compridas estava para fora da calça e parcialmente desabotoada, deixando ver um tórax liso, largo e de um tom de bronze dourado. A calça leve estava enrolada na altura do tornozelo, realçando os pés descalços. Os cabelos, negros e lustrosos, estavam penteados para trás e se encaracolavam ligeiramente na nuca.
Seus olhos eram o que mais me chamava a atenção. Aqueles eram os olhos do meu tigre, o mesmo tom cobalto profundo. Estendendo a mão, ele falou:
— Oi, Kelsey. Sou eu, Ren.